O Mar ainda é o único lugar onde as regras não são contaminadas
27/12/2025, 11:43:20No mar, as ondas dependem dele e do vento, a ação humana é descartável, e por isso, justa e implacável sobre todos sem distinção.
Há lugares onde as regras nascem puras. Não porque alguém as escreveu em um código ou as aprovou em assembleia, mas porque simplesmente existem. O mar é um desses raros territórios. Ali, não há decretos, não há discursos, não há versões oficiais. Há apenas leis antigas, imutáveis e, sobretudo, honestas.
O mar não se curva a interesses. Não negocia com poderosos, não concede privilégios, não reconhece sobrenomes nem cargos. Quem o enfrenta sem respeito aprende, invariavelmente, que ali não há espaço para a esperteza humana, tampouco para o famoso “jeitinho”. No mar, o erro cobra caro e a verdade aparece sem maquiagem.
Enquanto em terra firme as regras são constantemente contaminadas por conveniências, acordos silenciosos e interpretações sob medida, no mar tudo é claro. A correnteza não muda de direção para favorecer ninguém. A maré não sobe por decreto. O vento não obedece a ordens, nem se intimida diante da arrogância. Ele sopra como deve soprar, indiferente a vaidades.
Talvez por isso o mar incomode tanto. Ele expõe a fragilidade humana. Diante de sua imensidão, discursos grandiosos perdem força, títulos se tornam irrelevantes e certezas fabricadas naufragam com facilidade. No mar, não há narrativa que sustente a incompetência, nem propaganda que salve a imprudência.
É curioso perceber que, quanto mais a sociedade avança em tecnologia e retórica, mais se distancia de regras limpas. Criam-se normas flexíveis para uns e inflexíveis para outros. A legalidade vira argumento, não princípio. A moral se adapta ao interesse do momento. Já o mar segue intacto, fiel às suas próprias leis.
Ali, o mérito não é proclamado — é provado. A coragem não se anuncia — se revela. A humildade não é virtude discursiva — é condição de sobrevivência. Quem ignora essas regras aprende rapidamente que o mar não perdoa a soberba, apenas a corrige.
No fim, talvez o mar seja o último espelho honesto que nos resta. Um lugar onde as regras não foram contaminadas porque nunca pertenceram aos homens. E justamente por isso, continuam sendo as mais justas de todas.