A política deixou de ser política, para ser feita por entre acordos

Lula destrói Bolsonaro, aparelhamento político. Calheiros pode vir em chapa com JHC para o senado. Acordo em Brasília. Deputados (estaduais ou federais) eleitos por entre acordos. E a política mudou de forma.

A política deixou de ser política, para ser feita por entre acordos

Houve um tempo — não tão distante assim — em que política era sinônimo de ideias, projetos, embates públicos e escolhas claras. Governar significava assumir posições, defender programas e submeter-se ao julgamento popular. Hoje, contudo, a política parece ter abandonado sua essência e se transformado em um grande balcão de acordos, onde princípios são moeda fraca e conveniências valem ouro.

A lógica atual não é mais a do debate, mas a da composição silenciosa. Não se governa para cumprir promessas, governa-se para manter alianças. Não se vota conforme a consciência ou o interesse coletivo, vota-se conforme o “acerto” feito nos bastidores. A política deixou de ser política para se tornar um intrincado jogo de sobrevivência entre grupos que se protegem mutuamente.

Esses acordos — quase sempre opacos — raramente passam pelo crivo da sociedade. São costurados em gabinetes fechados, longe da luz pública, onde cargos, verbas, silêncios e favores se trocam como peças de xadrez. O discurso que ecoa nas tribunas e nas redes é apenas a encenação de um teatro cujo roteiro já foi escrito antes da cortina se abrir.

O resultado é um sistema viciado, no qual adversários em público se tornam sócios na prática. Brigam para a plateia, mas se abraçam no cofre. Fingem divergências ideológicas enquanto dividem espaços de poder. A política, nesse cenário, deixa de ser instrumento de transformação social e passa a ser mecanismo de autopreservação.

Quem perde com isso é a democracia. Quando os acordos se sobrepõem às ideias, o eleitor vira figurante. O voto passa a ser apenas uma formalidade, pois as decisões reais já foram tomadas em mesas restritas, sem participação popular. O cidadão assiste, descrente, à repetição de promessas vazias e alianças improváveis que se justificam apenas pelo interesse imediato.

Em cidades pequenas ou grandes centros, o enredo se repete: discursos inflamados na campanha, pragmatismo cínico após a eleição. O que era “inaceitável” torna-se “necessário para governar”. O que era “combate” vira “diálogo institucional”. E assim, pouco a pouco, normaliza-se o abandono da política como prática ética e pública.

Resgatar a política exige romper com essa cultura de acordos permanentes e sem transparência. Exige coragem para desagradar aliados circunstanciais e compromisso real com a população, não com conchavos. Sem isso, continuaremos chamando de política aquilo que, na prática, não passa de um arranjo de interesses travestido de poder.

Enquanto a política não voltar a ser política, a democracia seguirá sendo apenas um ritual — bonito no discurso, vazio na essência.

Creditos: Professor Raul Rodrigues