Hugo Motta tenta “limpar” a Presidência cassando Eduardo Bolsonaro e Ramagem

Entre o gesto institucional e o cálculo político: a cassação seletiva como tentativa de resgatar a credibilidade da Câmara

Hugo Motta tenta “limpar” a Presidência cassando Eduardo Bolsonaro e Ramagem

A política no banco dos réus vive um de seus paradoxos mais recorrentes: quando o desgaste se torna insuportável, surge a tentativa de “limpeza moral” seletiva, como se a simples eliminação de peças ruidosas fosse suficiente para higienizar um sistema inteiro. É nesse contexto que se insere o movimento atribuído a Hugo Motta, que tenta reposicionar a Presidência da Câmara a partir da cassação de mandatos emblemáticos — Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem.

A narrativa é sedutora: afastar figuras associadas ao radicalismo, às crises institucionais e ao confronto permanente com o Estado Democrático de Direito para sinalizar responsabilidade, equilíbrio e compromisso com a Constituição. No discurso, trata-se de defender a institucionalidade. Na prática, porém, a pergunta que se impõe é outra: trata-se de um gesto genuíno de depuração ética ou de uma estratégia política para salvar a própria imagem do comando da Casa?

Eduardo Bolsonaro não é apenas um deputado; é um símbolo. Representa a extensão política do bolsonarismo mais ideológico, aquele que apostou no embate contra as instituições, no descrédito do sistema eleitoral e na retórica do “nós contra eles”. Já Ramagem carrega o peso de sua ligação direta com o núcleo duro do ex-presidente, especialmente no período em que a fronteira entre governo e aparelhamento institucional se tornou perigosamente difusa. Cassá-los não é apenas uma decisão jurídica ou regimental — é um ato político de alto impacto simbólico.

Hugo Motta, ao se mover nessa direção, tenta enviar um recado claro: a Presidência da Câmara não pode continuar refém de extremos que arrastam o Parlamento para a vala comum do descrédito público. Contudo, o risco dessa manobra está na seletividade. Se a “limpeza” atinge apenas alguns nomes, enquanto outros comportamentos igualmente graves seguem intocados, o gesto perde força moral e se revela apenas como cálculo de sobrevivência política.

A sociedade brasileira já aprendeu, a duras penas, que não basta trocar personagens se o roteiro permanece o mesmo. Cassações podem ser necessárias, desde que fundamentadas, legais e isentas de conveniência. Caso contrário, tornam-se apenas um pano úmido passado sobre uma sujeira estrutural que insiste em reaparecer.

Se Hugo Motta deseja, de fato, “limpar” a Presidência e resgatar a credibilidade da Câmara, o caminho é mais longo e mais difícil: passa pelo fortalecimento das regras, pelo respeito irrestrito às instituições e pela coragem de enfrentar todos os abusos, venham de onde vierem. O resto é encenação — e o público brasileiro já não aplaude com tanta facilidade.

Creditos: Professor Raul Rodrigues