Por que a população não entende que o STF é um palicador da lei?

STF avalisa impeachment de presidentes: por que não cassar mandatos de senadores e deputados federais?

Por que a população não entende que o STF é um palicador da lei?

No Brasil contemporâneo, a Constituição parece ser lida com lentes diferentes, a depender de quem ocupa o banco dos réus políticos. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se colocado como protagonista central na análise e no aval de processos de impeachment de presidentes da República, exercendo um papel de guardião da legalidade e da ordem constitucional. No entanto, surge uma pergunta incômoda — e necessária: por que esse mesmo rigor não se aplica, com a mesma força e protagonismo, à cassação de mandatos de senadores e deputados federais?

O impeachment presidencial é tratado como um remédio extremo, cercado de ritos, formalidades e interpretações jurídicas minuciosas. O STF observa, intervém, orienta e, quando provocado, decide. Já no caso de parlamentares federais envolvidos em escândalos de corrupção, ataques à democracia, abuso de poder ou crimes comuns, a resposta institucional costuma ser mais lenta, tímida e, muitas vezes, corporativista. A responsabilidade acaba confinada ao próprio Congresso Nacional, que julga seus pares como quem olha para um espelho — com receio de quebrá-lo.

Essa assimetria cria um paradoxo perigoso: o chefe do Executivo, eleito por milhões de votos, pode ser afastado sob rigorosa vigilância judicial, enquanto parlamentares, igualmente eleitos e igualmente sujeitos à Constituição, permanecem protegidos por um manto de imunidades que, na prática, se transformam em impunidade. A imunidade parlamentar, concebida para garantir liberdade de expressão e independência política, passou a ser utilizada como escudo contra a responsabilização ética e legal.

Não se trata de defender excessos ou atropelos institucionais. Ao contrário: trata-se de defender coerência. Se o STF entende que pode — e deve — zelar pelo cumprimento da Constituição quando o assunto é impeachment presidencial, por que sua atuação é tão limitada quando deputados e senadores atentam contra essa mesma Constituição? Crimes contra o Estado Democrático de Direito, disseminação de mentiras, estímulo à violência política e esquemas de corrupção estruturados não são menos graves quando praticados no Parlamento.

A democracia não sobrevive com pesos e medidas desiguais. Ou todos os mandatos eletivos estão submetidos ao mesmo rigor constitucional, ou continuaremos alimentando a percepção de que há castas políticas acima da lei. O fortalecimento das instituições passa, necessariamente, pela coragem de enfrentar privilégios históricos e pela disposição de aplicar a lei sem distinção de cargo, poder ou conveniência política.

Enquanto o STF avalisa impeachments presidenciais e o Congresso protege seus próprios membros, a sociedade assiste a um jogo desigual — no qual a Constituição é invocada para uns e relativizada para outros. E toda vez que isso acontece, não é apenas um mandato que perde legitimidade, mas a própria democracia que se fragiliza.

Creditos: Professor Raul Rodrigues