Todos os atuais presos políticos estão doentes. Já os pobres saem das cadeias doentes

Quando a doença vira privilégio para uns e condenação para outros no sistema prisional brasileiro

Todos os atuais presos políticos estão doentes. Já os pobres saem das cadeias doentes

A relação entre saúde e sistema penitenciário é um espelho cruel das desigualdades brasileiras. Quando se observa a condição dos chamados “presos políticos” — aqueles envolvidos em escândalos de grande repercussão nacional, figuras influentes que protagonizam crises e polarizações — a narrativa mais comum é a de que todos estão doentes. Pressão alta, problemas cardíacos, depressão, estresse extremo: as justificativas médicas surgem com a mesma velocidade com que seus processos se arrastam. A doença, nesses casos, parece sempre bater na porta no momento certo, como um álibi silencioso que flexibiliza punições, reduz rigores e humaniza quem, até poucos meses antes, circulava pelos salões do poder.

Do outro lado da porta, porém, está a massa invisível dos pobres, aqueles que entram no sistema prisional já fragilizados pela fome, pelo abandono e pela ausência histórica do Estado. Esses não “ficam” doentes — eles saem doentes. Encarcerados em celas superlotadas, convivendo com falta de higiene, água limitada, ventilação precária e violência constante, o adoecimento é consequência natural, quase inevitável. A tuberculose, por exemplo, encontra ali seu habitat perfeito, assim como infecções de pele, doenças respiratórias, transtornos mentais e cicatrizes emocionais que nenhuma medicação pública está preparada para curar.

É preciso perceber a diferença não como acaso, mas como reflexo de um país dividido: no topo, presos que adoecem de súbito e recebem atenção especializada, laudos, benefícios e celeridade jurídica; na base, presos que adoecem de verdade e recebem silêncio, indiferença e reincidência como destino. A doença, nesse contexto, não é apenas um quadro clínico — é um marcador social, político e econômico. Enquanto o poder oferece colchões macios e relatórios médicos aos seus, ao pobre oferece colchões molhados e diagnósticos tardios.

O Brasil precisa enfrentar essa perversidade. Porque enquanto a saúde for argumento para uns e sentença para outros, continuaremos vivendo num sistema penal que não apenas pune: ele adoece, seleciona e destrói. O debate sobre prisões nunca será completo enquanto não reconhecermos que, neste país, até a doença sabe distinguir quem tem sobrenome e quem tem apenas um número na cela.

Creditos: Professor Raul Rodrigues