“Quem sois vós, quanto a nós?”

A pergunta que separa intenções, desnuda projetos e revela máscaras. Quando alguém que recebia sem trabalhar é expurgado, junta-se aos iguais

“Quem sois vós, quanto a nós?”

“Quem sois vós, quanto a nós?” — a frase nasce como um sussurro de desconfiança, mas cresce como um grito necessário num país onde discursos mudam ao sabor do vento, alianças evaporam diante da conveniência e promessas derretem ao sol da realidade.

A pergunta, aparentemente simples, é uma das mais poderosas da política, da sociedade e até da vida comunitária. Ela divide grupos, revela intenções e expõe contrastes. Porque, no fundo, sempre houve o vós e o nós. O problema é quando o vós se disfarça de nós apenas para colher frutos que nunca ajudou a plantar.

O “vós” que fala em nome do povo, mas nunca pisou no barro do povo

O “vós” costuma ser aquele que usa a primeira pessoa do plural, mas não sabe sequer o preço do pão. É o "político" que posa humilde no palanque, mas que se levanta sobre tapetes persas. É o comentarista de ocasião que nunca construiu nada, mas se arvora em juiz de tudo. É o cidadão de dedo em riste, que acusa, aponta, pede moralidade… mas só quando convém.

Esse “vós” vive de um discurso cuidadosamente ensaiado:
“Estamos juntos!”
Mas a prática revela outra coisa:
— “Nós (eles) lá em cima, vocês (o resto) aí embaixo.”

O “nós” que carrega, constrói e paga a conta

“Nós” é outra história.
“Nós” é o povo real — não o inventado em comício.
É de quem acorda cedo, trabalha, paga impostos, enfrenta as filas, suporta a falta de serviços, aguenta promessas que nunca se cumprem e vê as mesmas figuras de sempre voltarem ao palco político com novas máscaras e velhas intenções.

O “nós” é de quem sustenta pontes que não atravessou, obras que não pediu e campanhas que não aprovou. O “nós” segue, apesar dos “vós”.

O choque entre as duas esferas

A pergunta — “Quem sois vós, quanto a nós?” — funciona como um holofote que ninguém gosta de encarar.

Porque ela exige que cada grupo revele sua verdadeira posição:

  • Quem realmente trabalha pelo coletivo?
  • Quem só aparece para capitalizar desgaste?
  • Quem constrói pontes sociais?
  • Quem destrói, mas posa de salvador?

Essa interrogação nasce especialmente em tempos de disputa política, quando muitos se declaram representantes do povo sem nunca terem feito parte dele. Ela se torna um divisor de águas entre autenticidade e oportunismo.

Quando o “vós” tenta se infiltrar no “nós”

É nesse ponto que a política vira teatro.
Há personagens que, por conveniência, tentam se pintar de populares, tentam se vestir de simplicidade, tentam se aproximar do “nós”. Mas a impostura sempre vaza: pelo comportamento, pela arrogância, pelos interesses de bastidor para receber sem trabalhar.

E é por isso que a pergunta precisa ser feita. Repetida. Intensificada.
Para que ninguém “se passe por um de nós” sem ter caminhado conosco.

Conclusão: a pergunta que define lados — e responsabilidades

“Quem sois vós, quanto a nós?” não é apenas retórica. É instrumento de defesa. É filtro contra enganações. É antídoto contra discursos fáceis.

Ela separa:

  • quem fala, de quem faz;
  • quem promete, de quem entrega;
  • quem usa, de quem serve.

E lembra que, no fim, nós só devemos algo a nós mesmos: a verdade, a vigilância e a consciência de que quem tenta confundir esses papéis merece ser desmascarado.

Porque toda sociedade saudável começa assim:
identificando quem é “vós” — para que o “nós” não seja, mais uma vez, enganado.

Creditos: Professor Raul Rodrigues