Uma aberração jurídica: condenação de 140 anos. Puro manchetismo.

Quando a justiça se transforma em espetáculo, a sentença vira manchete — e o senso de justiça, apenas figurante.

Uma aberração jurídica: condenação de 140 anos. Puro manchetismo.

Há momentos em que o sistema judicial parece trocar a balança pela vitrine. A condenação de 140 anos, anunciada com estardalhaço e acompanhada por manchetes gritantes, é um desses casos em que o direito cede lugar ao manchetismo, a doença moderna da justiça midiática.

Não há justiça que se sustente no exagero numérico. Cento e quarenta anos não cabem em uma vida humana — cabem apenas no papel, no show midiático, no discurso político ou na ânsia de manchete. A pena desproporcional não corrige, apenas impressiona. É o símbolo de um sistema que, quando quer parecer firme, perde o equilíbrio.

A justiça moderna deveria buscar efetividade, não teatralidade. Quando se julga com a intenção de “dar exemplo”, o risco é transformar o julgamento em palco. A sociedade, sedenta por punições exemplares, muitas vezes aplaude — sem perceber que o exagero não é sinônimo de correção, mas de distorção.

A aberração jurídica de uma pena impossível de ser cumprida serve mais à narrativa do que ao direito. Serve ao repórter que precisa de um título forte, ao político que quer mostrar rigidez, ao sistema que precisa provar que existe. Mas não serve à justiça que deveria ser humana, racional e proporcional.

Penas absurdas são como fogos de artifício: iluminam o céu por segundos, arrancam aplausos, mas logo deixam a escuridão de volta — e a sensação de vazio. A punição deveria reparar, não apenas chocar. O excesso transforma o juiz em ator, o processo em roteiro e o condenado em personagem de um drama judicial que entretém, mas não educa.

Enquanto isso, o que realmente importa — a prevenção, a reeducação, a eficiência do sistema prisional e a justiça social — segue à margem do espetáculo. O manchetismo jurídico é perigoso porque mascara a falência estrutural com números espetaculares. É o mesmo princípio do populismo: entrega frases fortes e resultados frágeis.

Condenar alguém a 140 anos é mais uma mensagem de desespero do que de justiça. É o grito de um sistema que quer parecer forte, mas se mostra perdido entre o rigor e a razão. E assim, a aberração jurídica se torna manchete — e o verdadeiro sentido da justiça, mais uma vez, fica escondido nas entrelinhas.

Creditos: Professor Raul Rodrigues