Coreia do Norte usa mortes de soldados para propaganda

Coreia do Norte usa mortes de soldados para propaganda

Introdução

Em vez de silenciar sobre a tragédia, Kim Jong-un vem tentando usá-la a seu favor.

O aumento das mortes e a propaganda

O número de mortos entre os soldados da Coreia do Norte enviados para lutar pela Rússia contra a Ucrânia está aumentando, e o regime de Pyongyang recorreu a técnicas clássicas de propaganda para garantir a lealdade dos seus cidadãos. No mês passado, a mídia estatal norte-coreana veiculou um documentário detalhando as ações dos soldados que servem na Ucrânia, que não se esquivou de abordar as mortes de seus militares. De acordo com a agência de notícias sul-coreana Yonhap, o documentário contou a história de dois soldados – Yun Jong-hyuk, 20, e Woo Wi-hyuk, 19 – que se viram cercados no campo de batalha, mas optaram por se matar detonando uma granada em vez de serem capturados. A trilha sonora descreveu a morte dos jovens como "sacrifícios heroicos".

A narrativa da devoção

Embora histórias de soldados corajosos que se sacrificam pela pátria e de jovens incentivados a se alistar em Forças Armadas para se tornarem "esquadrões suicidas de balas e bombas" provavelmente não convencem muitos em outros lugares, o controle rígido do governo norte-coreano sobre a mídia doméstica faz com que praticamente não haja narrativas alternativas disponíveis para o público.

Isso é o que a Coreia do Norte faz: doutrinação ideológica para educar tanto os atuais soldados quanto a próxima geração, disse Min Seong-jae, professor de comunicação e estudos de mídia da Pace University, em Nova York. O programa relatou outros casos semelhantes de suicídios, que se tornaram mais comuns desde que dois soldados norte-coreanos feridos se renderam às tropas ucranianas logo após serem enviados para o campo de batalha. "Eles mostram imagens de soldados cometendo suicídio porque isso se encaixa perfeitamente na narrativa tradicional do regime sobre lealdade e sacrifício absolutos", disse Min.

Imagens que reforçam a mensagem

Os programas de notícia norte-coreanos também reproduziram à exaustão imagens do líder Kim Jong-un curvando a cabeça diante de retratos de soldados mortos e abraçando familiares enlutados. Min diz que as imagens têm como objetivo comunicar sua aparente angústia pelo sacrifício deles. "Ao transmitir imagens de soldados ativando granadas sobre si mesmos, o regime reforça a mensagem de que a devoção absoluta à pátria exige estar disposto a morrer em vez de se render. A narrativa é enquadrada como martírio heroico, não como uma perda sem sentido", disse.

Estimativas e objetivos do regime

Dois dias após a exibição do documentário, o Serviço Nacional de Inteligência (NIS) da Coreia do Sul estimou que, dos 13 mil soldados enviados por Pyongyang para lutar pela Rússia na guerra na Ucrânia, 2 mil foram mortos. Mas o regime não direciona sua mensagem apenas ao público interno, diz Min. Pyongyang também está empenhada em mostrar a seu aliado em Moscou que está fornecendo camaradas destemidos e fortalecendo sua parceria.

Embora tais imagens em outras sociedades mais abertas poderiam minar a confiança e "levantar questões incômodas sobre por que filhos e irmãos estão sendo enviados ao exterior para morrer", Min ressalta que esse não é o caso na Coreia do Norte.

Controle de informação e martírio

O controle rígido do Estado sobre as informações garante que essas imagens tenham um significado muito diferente. Elas enquadram a morte não como uma perda, mas como um martírio heroico. Imagens de Kim Jong-un "chorando sobre caixões, consolando famílias enlutadas e comandando cerimônias solenes" são usadas como "uma oportunidade para demonstrar a unidade do povo".

Possíveis razões para os suicídios

Erwin Tan, professor de política internacional da Universidade Hankuk de Estudos Internacionais em Seul, tem outra teoria: os soldados foram forçados a cometer suicídio após tentarem desertar ou apresentarem um desempenho ruim no campo de batalha. "Essa cobertura em vídeo pode ter tido a intenção de sinalizar a outros membros das Forças Armadas norte-coreanas que 'covardia e incompetência' não serão toleradas", disse.

Conclusão

Em resumo, o regime norte-coreano há muito tempo usa propaganda e serviços de segurança interna para exigir lealdade de seus cidadãos. Uma nova característica da propaganda de Pyongyang sobre a guerra na Ucrânia são as alegações de que as tropas da Coreia do Norte intervieram no conflito porque os Estados Unidos, o Japão e a Coreia do Sul teriam enviado unidades militares para o lado ucraniano. Essa narrativa não só fortalece a posição do regime, mas também arrasta sua população para uma ideologia de guerra que muitos não conseguiriam questionar.