Quebra de sigilo de delação coloca benefícios de Cid em risco

Quebra de sigilo de delação coloca benefícios de Cid em risco

O Contexto da Quebra de Sigilo

(FOLHAPRESS) - Dentre os argumentos das defesas de réus para tentar a anulação da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, apenas uma eventual falta de voluntariedade do delator poderia prejudicar a utilização de provas e interferir no processo no STF (Supremo Tribunal Federal) que investiga a trama golpista de 2022, avaliam especialistas ouvidos pela Folha. Esse cenário, porém, é considerado remoto no caso do militar, que tem reiterado publicamente a higidez do acordo.

Possíveis Implicações para Cid

As outras possibilidades -como eventuais omissões ou quebra de sigilo, com a divulgação de informações referentes à colaboração- teriam potencial de prejudicar apenas Cid, que pode perder seus benefícios. A colaboração do militar tem sido contestada por advogados de acusados da trama golpista.

As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem Cid era ajudante de ordens, e do general Braga Netto pediram a anulação do acordo sob argumento de que Cid mentiu ao Supremo e contou detalhes de seus depoimentos a amigos. O pedido foi inicialmente negado por Alexandre de Moraes, que citou a fase atual do processo e pode ser analisado no julgamento final.

Quebra de Sigilo e Vantagens

Também pediu a nulidade da delação a defesa de Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro e réu no caso da trama golpista preso sob suspeita de obstrução de Justiça. Nesse caso, a solicitação cita também possível quebra de voluntariedade do pedido e conta com fotos e áudios de conversas entregues à Justiça que comprovariam a quebra do sigilo feita pelo delator. Mauro Cid nega que isso tenha ocorrido.

Para o advogado Rogério Taffarello, especialista em direito penal e sócio do Mattos Filho, o vazamento do áudio e das mensagens pode dar base para a perda dos benefícios de Cid. "Deverá haver uma avaliação de proporcionalidade, [sobre se] isso é uma violação grave o bastante para a rescisão do acordo. Existe uma série de cláusulas, algumas cujas violações são menos relevantes, outras mais."

Riscos para o Processo Judicial

Ricardo Yamin, doutor em direito pela PUC-SP, concorda que a quebra de sigilo pode ensejar a perda de benefícios combinados entre a Polícia Federal e Cid. O conteúdo da delação, entretanto, permaneceria intacto. O mesmo tenderia a acontecer se fosse comprovado que o militar mentiu.

A delação de Cid ajudou a fundamentar relatório da PF e denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre a trama golpista, mapeando a participação de Bolsonaro e outros atores e fornecendo detalhes sobre questões como a minuta golpista e o plano Punhal Verde Amarelo, que previa o assassinato de Moraes, do presidente Lula (PT) e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).

Consequências da Omissão nas Declarações

O acordo prevê ao tenente-coronel perdão judicial ou pena privativa de liberdade inferior a dois anos, assim como a restituição de bens e valores apreendidos. Também está prevista a extensão dos benefícios a familiares de Cid, bem como ação da PF garantindo segurança.

O caso de omissão no depoimento de Cid poderia resultar em perda de benefícios, mas a prática jurídica tem sido de pedido de ajuste no depoimento do colaborador, aponta Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio. "Isso aconteceu com várias empresas na Lava Jato, como a Odebrecht e a Andrade Gutierrez", diz.

Voluntariedade da Delação

Um cenário com falta de voluntariedade, porém, traria espaço para a anulação de provas, podendo impactar todo o processo. A possibilidade, entretanto, é considerada remota pelos especialistas ouvidos pela Folha pelo fato de o próprio colaborador ter repetido em depoimentos oficiais sua disposição.

Mauricio Stegemann Dieter, professor da Faculdade de Direito da USP, ressalta que Cid teve gravadas as suas tratativas de delação e que o conteúdo oficial sobre a indicação ou não de constrangimento ilegal é obtido nos encontros do militar com a Justiça, não em mensagens privadas. "Qualquer pessoa disposta a fazer uma delação se sente pressionada, senão por que ela faria [um acordo de colaboração]? A pressão é inerente à delação", afirma Dieter.

Aspectos Legais da Delação Premiada

Jordan Tomazelli, mestre em direito processual pela Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e autor do livro "O jogo da colaboração premiada", soma ao argumento o fato de que as mensagens divulgadas parecem sinalizar que o militar teve espaço para manter sua versão dos fatos, apesar de falar em pressão. Ele cita como exemplo trecho de conversa em que Cid teria dito que, mesmo direcionado, não usou a palavra "golpe" em seu depoimento.

Para Luísa Walter da Rosa, mestre em direito do Estado pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e autora de livros sobre acordos penais e colaboração premiada, soma-se à improbabilidade de aceitação pela Justiça de pedido a favor de uma anulação o fato de que apenas as partes do acordo, ou seja, o próprio Cid e a Polícia Federal, poderiam questionar a voluntariedade.

Possibilidades Futuras

Já sobre a possibilidade futura de que o acordo caia, a exemplo de episódios ocorridos na Lava Jato, os especialistas citam que o cenário é mais improvável, embora, na opinião de alguns, possa ocorrer a depender de mudanças no tribunal ou no cenário político.

Para Dieter, as regras da colaboração premiada evoluíram desde os acordos firmados na Lava Jato, o que diminuiria essa probabilidade. Ele também destaca que, por estar sendo julgado diretamente pelo Supremo, não haveria no caso possibilidade de recurso a outra instância.