Mandioca apresenta diversidade genética surpreendente ao ser domesticada

Mandioca apresenta diversidade genética surpreendente ao ser domesticada

Mandioca e sua evolução

(FOLHAPRESS) - Um dos maiores estudos já realizados sobre a diversidade genética da mandioca revela que, ao ser domesticada, a planta realizou uma façanha evolutiva que parece contraditória. As variedades que existem ao redor do mundo são, ao mesmo tempo, muito semelhantes entre si e capazes de manter uma variabilidade genética considerável – o que é suficiente para que elas continuem ajudando a alimentar cerca de 1 bilhão de pessoas todos os dias, sem grandes riscos de extinção devido a pragas.

Resultados da pesquisa

As conclusões deste estudo foram baseadas na análise de quase 600 genomas (o conjunto do DNA de um indivíduo) da espécie, muitos dos quais foram obtidos de exemplares brasileiros. O Brasil, especialmente nas áreas do sudoeste amazônico, como a atual Rondônia, é provavelmente o local de origem da mandioca domesticada, e é possível que o cultivo tenha começado aqui há quase 10 mil anos.

O trabalho foi publicado recentemente no periódico especializado Science.

Metodologia empregada

A nova pesquisa, que conta com a participação do brasileiro Fabio de Oliveira Freitas, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, considerou também o DNA de plantas que cresceram antes da chegada dos europeus, como uma mandioca de mais de 600 anos encontrada na região do Peruaçu, em Minas Gerais, e outra com cerca de 2.000 anos descoberta em Arica, no Chile. O grupo ainda estudou variedade e práticas de cultivo do povo waurá, indígenas do Xingu que mantêm grande parte do conhecimento ancestral sobre o manejo da mandioca.

Clonagem e diversidade

O padrão de variabilidade genética raramente encontrado na mandioca deve-se, em grande medida, à forma como é propagada por agricultores em várias partes do mundo. A maioria das plantas cultivadas é clonada a partir de outras, em vez de serem cultivadas a partir de sementes, que surgem do cruzamento entre plantas diferentes. A prática mais comum é enterrar ramas (pedaços cortados do caule), a partir das quais novas plantas brotam.

"Isso não significa que elas não cruzem e produzam sementes, mas o produtor quase nunca vai plantar essas sementes porque elas levam um ano para produzir as raízes tuberosas [a parte rica em carboidratos que as pessoas consomem]", explicou Freitas à Folha.

Transmissão cultural e biológica

Devido à facilidade de transporte e troca das ramas entre comunidades, a propagação da mandioca através desse método se espalhou por grande parte do continente americano antes da invasão europeia e, com o início da colonização, se expandiu para outras regiões do mundo, especialmente na África.

O processo de domesticação parece ter sido tão eficaz que a planta praticamente não possui a característica comum a quase todas as espécies, incluindo as domesticadas: a estrutura populacional geográfica. Este termo, embora complexo, refere-se ao fato de que, em geral, subpopulações de uma espécie muito difundida tendem a desenvolver características próprias em cada região. No caso da mandioca, essa diversidade geográfica é praticamente inexistente; as variedades da planta no Pará e no Peru, por exemplo, revelam pouco diferencial entre si.

Heterozigosidade e resiliência

Paradoxalmente, indivíduos de mandioca costumam manter um grau relativamente elevado de heterozigosidade em seu genoma, o que significa que, em geral, cada exemplar carrega duas variantes diferentes para cada seção de seu DNA (similar ao que ocorre nos seres humanos). Para Freitas e seus colegas, essa característica, que permite a adaptação a novos ambientes e a resistência a pragas, provavelmente foi mantida por meio da seleção de plantas cujas ramas eram escolhidas para o replantio.

"É algo que observamos nos indígenas, por exemplo: ao escolher uma rama, eles se atentam às plantas mais robustas, que têm as melhores folhas. Acreditamos que isso contribuiu para a manutenção da variabilidade", observou ele.