5 razões pelas quais a atual guerra entre Hamas e Israel está durando mais do que as anteriores
07/10/2024, 18:21:24Passou um ano desde que, em 7 de outubro de 2023, centenas de integrantes do Hamas invadiram Israel e assassinaram quase 1.200 pessoas, fazendo cerca de 250 reféns.
Esta é a guerra mais duradoura de todas as que Israel travou contra o Hamas em Gaza, e uma das mais longas desde o seu nascimento como Estado.
E ainda não há fim à vista.
A operação militar israelense, que começou naquele mesmo dia e se transformou numa guerra total, devastou a Faixa de Gaza e matou mais de 41 mil pessoas.
O conflito espalhou-se para além das fronteiras de Gaza, inflamando a hostilidade de longa data entre Israel e o grupo libanês Hezbollah e abrindo uma nova frente no Líbano.
90% da população de Gaza foi deslocada e a maioria vive em condições subumanas, entre montanhas de lixo e água de esgoto, em grande parte devido ao bloqueio que Israel impõe à entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, segundo o relatório da ONU.
Além disso, uma centena de reféns permanece nas mãos do Hamas, embora o exército israelense acredite que um terço deles pode ter morrido.
Por que esta guerra está se arrastando por tanto tempo?
Vários fatores conspiraram para prolongar um conflito que mais uma vez levou o Oriente Médio à beira do abismo.
O ataque brutal do Hamas contra Israel em 7 de Outubro, no qual os seus integrantes atacaram cidades perto da Faixa de Gaza, matando famílias inteiras nas suas casas e centenas de jovens em um festival de música, foi o mais mortal que o país sofreu em toda a sua existência.
A resposta de Israel foi enérgica e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, apoiado por um governo de coligação com partidos religiosos ultranacionalistas e da direita radical, prometeu destruir para sempre o Hamas e alcançar a "vitória total" em Gaza.
Mas esse objetivo, reconheceram analistas militares israelenses e até mesmo o antigo primeiro-ministro Ehud Olmert, não era alcançável.
O grupo "está profundamente enraizado em Gaza e não é algo que possa ser eliminado por meios militares", disse Elham Fakhro, pesquisador da Chatham House para o Oriente Médio e o norte da África, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
O Hamas é um movimento islâmico que possui um ramo político e um militar. Ele governa Gaza desde que venceu as eleições em 2006 e assumiu o controle da Faixa um ano depois, após expulsar seu rival político, o Fatah.
Como tal, administra um território onde vivem mais de 2,3 milhões de pessoas e é responsável por cerca de 50.000 funcionários.
Além disso, para alguns palestinos, o Hamas não é apenas um grupo militante, mas a encarnação de uma ideia.
"Israel pode matar os integrantes [do Hamas] e destruir todo o território, mas não pode matar a determinação de combater a ocupação e alcançar a independência nacional", explica Imad K. Harb, diretor de pesquisa e análise do centro de pesquisas Arab Center, em Washington DC.
Um ano após o início da guerra, "Gaza, como território, as suas cidades, as suas infraestruturas, foram destruídas e houve um sofrimento tremendo, mas o Hamas não foi destruído como organização", acrescenta Fakhro.
O seu líder político, Ismail Haniyeh, foi assassinado em agosto passado em Teerã, num ataque pelo qual Israel foi responsabilizado, e muitos dos seus integrantes, incluindo alguns dos seus maiores comandantes, morreram em combates e bombardeios israelenses em Gaza.
Mas a extensa rede de túneis que a organização islâmica construiu ao longo dos anos forneceu abrigo aos seus combatentes, permitindo que levassem a cabo uma estratégia de guerrilha que é muito difícil de ser travada por Israel.
Acredita-se que eles escondam o homem que planejou o ataque de 7 de outubro e que substituiu Haniyeh após sua morte: Yahya Sinwar.
E isso está relacionado ao segundo objetivo que o governo de Netanyahu estabeleceu em Gaza: o resgate dos reféns detidos pelo Hamas, muitos dos quais foram escondidos nos túneis.
Cem deles foram libertados em novembro passado, em troca de 240 prisioneiros palestinianos em prisões israelitas.
"Há uma tensão, se não uma contradição, entre estes objetivos já que, para resgatar os reféns, o exército israelita não pode lançar nos túneis o tipo de ataques que precisaria para matar integrantes do Hamas e os seus líderes, incluindo Sinwar", analisa para Dov Waxman, diretor do Y&S Nazarian Center for Israel Studies da Universidade da Califórnia.
Os analistas consultados pela BBC também concordam com o papel que o atual executivo israelense tem na forma como a guerra tem sido conduzida e que ainda não foi alcançado um cessar-fogo.
Israel é governado desde o final de 2022 por uma coligação formada pelo Likud, o partido de direita do primeiro-ministro Netanyahu, e uma série de pequenos grupos políticos, incluindo formações da direita radical, de supremacia judaica e anti-árabes, como o Sionismo Religioso e o Otsma.
É, segundo Elham Fakhro, a "coligação mais direitista que Israel já teve".
Estes partidos, embora minoritários, acabaram por monopolizar algumas das pastas mais importantes do Executivo.
Entre eles, as Finanças, lideradas por Bezalel Smotrich, e a Segurança Nacional, que controla a polícia em Israel e na Cisjordânia e é chefiada por Itamar Ben-Gvir, um político condenado no passado por racismo e incitação ao ódio e que atuou em formações agora proibidas pelas leis antiterrorismo.
As suas posições são tão radicais que, quando a guerra eclodiu, deputados da oposição, como o centrista Benny Gantz, antigo chefe do Estado-Maior do exército israelita, juntaram-se ao governo de unidade nacional com a condição de que os extremistas Ben-Gvir ou Smotrich não pudessem assumir as decisões sobre a guerra.
Gantz acabou deixando o gabinete de guerra ao perceber que não havia plano para acabar com o conflito.
É possível, sugere Dov Waxman, que no início da guerra "nenhum outro governo israelense provavelmente tivesse se comportado de forma muito diferente, dado o nível de raiva, dor e trauma que foi vivido depois de 7 de Outubro e o desejo generalizado entre os israelenses de atacar e destruir o Hamas, para dar tudo de si".
No entanto, à medida que a guerra avançava, "este governo e, especialmente, os membros da direita radical, demonstraram absoluto desrespeito pela opinião e pressão internacionais", acrescenta o professor de Estudos de Israel.
Isso pode ser visto especialmente na questão dos reféns detidos pelo Hamas. "É bastante claro que o primeiro-ministro Netanyahu não está interessado em chegar a um acordo, que está em cima da mesa há vários meses, para trazer de volta os reféns em troca de um cessar-fogo", analisa Waxman.
Pela sua essência muito expansionista — defendem a anexação da Cisjordânia e o domínio total israelita do território entre o rio Jordão e o Mar Mediterrâneo — estes partidos radicais "partilham a opinião de que a paz com os palestinos não é desejável, e darão prioridade à expansão da ocupação, em vez de alcançar uma solução política ou um cessar-fogo", diz Fakhro.
Netanyahu precisa deles para manter o Executivo em pé e eles deixaram claro que, se ele aceitar um cessar-fogo, deixarão o governo.
Desta forma, o primeiro-ministro "priorizou a sua própria sobrevivência política antes de um cessar-fogo, mas também e mais importante, antes da libertação dos reféns", acrescenta o pesquisador da Chatham House.
Para alguns analistas como Imad K. Harb, "Netanyahu está usando a guerra para adiar o seu acerto de contas com a justiça".
O primeiro-ministro está sendo julgado por corrupção em um julgamento que começou em 2020 e no qual enfrenta acusações de fraude, suborno e quebra de confiança, pelas quais poderá ser condenado a até 10 anos de prisão.
Ele negou as acusações e afirma que se trata de uma "caça às bruxas".
A estratégia parece estar dando frutos: segundo a última sondagem realizada pelo Canal 12 de televisão, a popularidade de Netanyahu foi recuperada depois do 7 de outubro, especialmente depois das vitórias militares contra o Hezbollah, e o seu partido, o Likud, voltaria a ser o mais votado em Israel, embora ainda precisasse de uma coligação para governar.
A diferença de força entre Israel e o Hamas não poderia ser mais evidente.
Por um lado, há um dos exércitos mais poderosos do mundo e, por outro, uma milícia islâmica com aliados poderosos como o Irã, que lhes forneceu armas, mas que está isolada no território de Gaza há 17 anos.
No entanto, o Hamas conseguiu resistir ao ataque de Israel durante um ano e continua, através de uma guerrilha, causando baixas entre os soldados israelenses.
O Hamas teve a vantagem da surpresa: há anos que se preparava para esta guerra.
Para isso, construiu uma rede de túneis que se estima ter mais de 500 quilômetros de comprimento e que permite que os combatentes se escondam do exército israelense.
Waxman argumenta que os integrantes do Hamas, no entanto, "não têm conseguido participar no tipo de batalhas, confrontos diretos, para a qual os soldados israelenses estão preparados e treinados".
Os militantes do Hamas também conseguiram se reagrupar nas áreas de Gaza por onde o exército israelense já tinha passado e que tinham sido consideradas "limpas".
Para o professor de Estudos Israelenses, este é um sinal de que Israel não tinha e não tem um plano sobre como governar e fornecer aos palestinos os serviços necessários, uma vez que tenham retirado o Hamas destas áreas.
O Hamas resiste, mas a que custo?
A guerra causou mais de 41.000 mortes, a grande maioria das quais civis, muitas delas mulheres e crianças, e uma destruição material que levará décadas para ser resconstruída.
"A escala da devastação e do sofrimento só pode ser comparada com o que os palestinos chamam de Nakba, a catástrofe de 1948", explica o professor da Universidade da Califórnia.
Waxman recolheu testemunhos em Gaza que asseguram que "há uma raiva profunda contra Israel, claro, mas também contra o Hamas, uma vez que esta é uma guerra para a qual se prepararam e gastaram milhões de dólares para construir este sistema de túneis para se protegerem, enquanto não fizeram nada para proteger a população civil."
O conflito está minando o apoio ao Hamas em Gaza, onde as últimas sondagens mostram pela primeira vez que a maioria dos habitantes de Gaza (57%) acredita que o dia 7 de Outubro foi um erro.
A pesquisa, elaborada pelo Centro Palestino de Pesquisa e Estudos Políticos, mostra também que apenas 39% dos habitantes da Faixa de Gaza aprovam o papel desempenhado pelo Hamas durante a guerra (em junho era 64%).
As críticas à milícia islâmica têm aumentado em Gaza, tanto nas ruas como na internet. Alguns denunciaram publicamente a organização por esconder reféns em apartamentos perto de um mercado movimentado ou por lançar foguetes a partir de áreas civis.
De fato, durante vários anos, "o Hamas tem desfrutado de maior apoio na Cisjordânia, onde não governa, do que em Gaza, que está há muitos anos sob o seu repressivo e autoritário domínio", argumenta Dov Waxman.
E o que o Hamas considera uma vitória neste conflito?
A primeira coisa foi atrair a atenção internacional e "gerar um sentimento de medo na sociedade israelense", algo que sem dúvida conseguiram, sugere Elham Fakhro. Além disso, é muito possível que tenham buscado uma moeda de troca com a captura de reféns para evitar a disseminação generalizada da destruição de Gaza e ter de volta prisioneiros palestinianos.
"É claro que não funcionou", acrescenta o pesquisador.
O fim da guerra não está próximo, mas no dia em que chegar não há nada previsto para tomar conta de um território onde vivem 2,3 milhões de pessoas e que terá sido devastado.
O abismo entre as principais facções palestinas, o Hamas e o Fatah, que se alargou quando o Hamas assumiu o controle da Faixa de Gaza em 2007, permanece aberto.
Não foram realizadas eleições desde então e a Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), o governo autônomo provisório que foi estabelecido após os acordos de Oslo e é liderado por Mahmoud Abbas, tem perdido crédito e prestígio entre os próprios palestinos.
Muitos analistas consideram que os últimos governos israelenses - e ainda mais o atual - alimentaram esta divisão entre facções palestinas para minar a possibilidade da criação de um Estado Palestino.
O atual ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, disse claramente numa entrevista em 2015: "O Hamas é um trunfo e Abu Mazen (Mahmud Abbas) é um fardo".
Em outras palavras: o Hamas, considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia, serve como uma desculpa perfeita para o governo israelense não avançar na solução de dois Estados porque quem iria querer deixar o futuro Estado da Palestina nas suas mãos?, argumenta Elham Fakhro.
A ANP foi assim enfraquecida pela ascensão do Hamas, mas também perdeu crédito aos olhos dos palestinos, "que a consideram corrupta e quase como uma subcontratada da ocupação israelense na Cisjordânia, por isso muitos não acreditam que seja legítimo.", acrescenta o pesquisador.
A guerra em Gaza exacerbou a impopularidade da ANP, que também foi atingida por uma crise financeira devastadora.
Mais de 150 mil palestinos empregados em Israel perderam as suas autorizações de trabalho desde o início da guerra e milhares de funcionários públicos não recebem os seus salários, em parte porque Israel - o próprio Smotrich, chefe do Ministério das Finanças - congelou centenas de milhões de dólares em recursos pertencentes à ANP.
Autoridades israelenses disseram ao New York Times em junho que Smotrich tinha proposto descongelar alguns destes fundos em troca da autorização de vários assentamentos israelenses construídos na Cisjordânia.
Poderá uma ANP enfraquecida, quase falida e desacreditada aos olhos dos próprios palestinos assumir as rédeas de Gaza quando a guerra terminar?
Essa é a pergunta que muitos analistas internacionais fazem.
"Embora pareça uma boa ideia, é difícil ver como poderia ser levada a cabo, como se poderia remover o Hamas (de Gaza) e trazer a ANP, que a comunidade internacional considera legítima e com credibilidade, mas que não tem muito apoio entre os palestinos. Seria vista como uma solução imposta", afirma Fakhro.
O Oriente Médio hoje é muito diferente daquele de décadas passadas.
A normalização das relações diplomáticas entre vários países árabes e Israel mudou a geopolítica da região. E aqueles que ainda não o fizeram, como a Arábia Saudita, estão à espera de que a poeira da guerra em Gaza baixe antes de fazê-lo, dizem os analistas.
Desde o início da guerra, os países árabes vizinhos de Israel adotaram posições diferentes: alguns ofereceram-se como mediadores, papel desempenhado, por exemplo, pelo Qatar, outros expulsaram temporariamente embaixadores israelenses, como fez a Jordânia.
Mas, para além da retórica, a resposta dos seus governos tem sido bastante morna. "Se compararmos com o embargo petrolífero de 1973, quando os países árabes tomaram uma posição muito mais dura para pressionar Israel e os Estados Unidos a acabarem com a guerra, o que está acontecendo agora não tem nada a ver com isso", diz Elham Fakhro.
Nenhum deles cortou relações com Israel.
"Devemos distinguir entre regimes árabes e povos árabes. Os governos abandonaram a Palestina há muito tempo, mas as suas populações ainda acreditam que a causa palestina é a mais importante para os árabes", argumenta Imad K. Harb.
Existe, concorda Elham Fakhro, uma desconexão entre os governos árabes e a sua opinião pública: "No mundo árabe há uma grande simpatia pelos palestinos e pela catástrofe que estão vivendo em Gaza e eles querem que os seus governos façam mais, querem que eles rompam relações diplomáticas. Eles deveriam, no mínimo, expulsar os embaixadores, e isso não aconteceu".
Apesar de tudo, existe um interesse esmagador no mundo árabe em acabar com a guerra devido às suas consequências desestabilizadoras para toda a região, como se vê no Líbano com o Hezbollah.
Contudo, será que os vizinhos árabes têm realmente capacidade para exercer pressão sobre Israel e o Hamas?
Dov Waxman acredita que não: "nenhum país árabe tem capacidade ou influência para acabar com esta guerra. Isso recai sobre o governo israelense e, possivelmente, sobre os Estados Unidos."
Embora nas guerras anteriores Washington tenha exercido uma influência mais decisiva sobre o governo de Israel, observa o investigador da Chatham House, "não vimos isso com Biden, que tem sido muito relutante em pressionar Netanyahu, mesmo que o tenha feito de forma privada. A falta de pressão dos EUA deu poder a Netanyahu e permitiu com que ele continuasse a guerra por muitos mais meses, em detrimento da população de Gaza e dos reféns."
Esta é a guerra mais duradoura de todas as que Israel travou contra o Hamas em Gaza, e uma das mais longas desde o seu nascimento como Estado.
E ainda não há fim à vista.
A operação militar israelense, que começou naquele mesmo dia e se transformou numa guerra total, devastou a Faixa de Gaza e matou mais de 41 mil pessoas.
O conflito espalhou-se para além das fronteiras de Gaza, inflamando a hostilidade de longa data entre Israel e o grupo libanês Hezbollah e abrindo uma nova frente no Líbano.
90% da população de Gaza foi deslocada e a maioria vive em condições subumanas, entre montanhas de lixo e água de esgoto, em grande parte devido ao bloqueio que Israel impõe à entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, segundo o relatório da ONU.
Além disso, uma centena de reféns permanece nas mãos do Hamas, embora o exército israelense acredite que um terço deles pode ter morrido.
Por que esta guerra está se arrastando por tanto tempo?
Vários fatores conspiraram para prolongar um conflito que mais uma vez levou o Oriente Médio à beira do abismo.
O ataque brutal do Hamas contra Israel em 7 de Outubro, no qual os seus integrantes atacaram cidades perto da Faixa de Gaza, matando famílias inteiras nas suas casas e centenas de jovens em um festival de música, foi o mais mortal que o país sofreu em toda a sua existência.
A resposta de Israel foi enérgica e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, apoiado por um governo de coligação com partidos religiosos ultranacionalistas e da direita radical, prometeu destruir para sempre o Hamas e alcançar a "vitória total" em Gaza.
Mas esse objetivo, reconheceram analistas militares israelenses e até mesmo o antigo primeiro-ministro Ehud Olmert, não era alcançável.
O grupo "está profundamente enraizado em Gaza e não é algo que possa ser eliminado por meios militares", disse Elham Fakhro, pesquisador da Chatham House para o Oriente Médio e o norte da África, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
O Hamas é um movimento islâmico que possui um ramo político e um militar. Ele governa Gaza desde que venceu as eleições em 2006 e assumiu o controle da Faixa um ano depois, após expulsar seu rival político, o Fatah.
Como tal, administra um território onde vivem mais de 2,3 milhões de pessoas e é responsável por cerca de 50.000 funcionários.
Além disso, para alguns palestinos, o Hamas não é apenas um grupo militante, mas a encarnação de uma ideia.
"Israel pode matar os integrantes [do Hamas] e destruir todo o território, mas não pode matar a determinação de combater a ocupação e alcançar a independência nacional", explica Imad K. Harb, diretor de pesquisa e análise do centro de pesquisas Arab Center, em Washington DC.
Um ano após o início da guerra, "Gaza, como território, as suas cidades, as suas infraestruturas, foram destruídas e houve um sofrimento tremendo, mas o Hamas não foi destruído como organização", acrescenta Fakhro.
O seu líder político, Ismail Haniyeh, foi assassinado em agosto passado em Teerã, num ataque pelo qual Israel foi responsabilizado, e muitos dos seus integrantes, incluindo alguns dos seus maiores comandantes, morreram em combates e bombardeios israelenses em Gaza.
Mas a extensa rede de túneis que a organização islâmica construiu ao longo dos anos forneceu abrigo aos seus combatentes, permitindo que levassem a cabo uma estratégia de guerrilha que é muito difícil de ser travada por Israel.
Acredita-se que eles escondam o homem que planejou o ataque de 7 de outubro e que substituiu Haniyeh após sua morte: Yahya Sinwar.
E isso está relacionado ao segundo objetivo que o governo de Netanyahu estabeleceu em Gaza: o resgate dos reféns detidos pelo Hamas, muitos dos quais foram escondidos nos túneis.
Cem deles foram libertados em novembro passado, em troca de 240 prisioneiros palestinianos em prisões israelitas.
"Há uma tensão, se não uma contradição, entre estes objetivos já que, para resgatar os reféns, o exército israelita não pode lançar nos túneis o tipo de ataques que precisaria para matar integrantes do Hamas e os seus líderes, incluindo Sinwar", analisa para Dov Waxman, diretor do Y&S Nazarian Center for Israel Studies da Universidade da Califórnia.
Os analistas consultados pela BBC também concordam com o papel que o atual executivo israelense tem na forma como a guerra tem sido conduzida e que ainda não foi alcançado um cessar-fogo.
Israel é governado desde o final de 2022 por uma coligação formada pelo Likud, o partido de direita do primeiro-ministro Netanyahu, e uma série de pequenos grupos políticos, incluindo formações da direita radical, de supremacia judaica e anti-árabes, como o Sionismo Religioso e o Otsma.
É, segundo Elham Fakhro, a "coligação mais direitista que Israel já teve".
Estes partidos, embora minoritários, acabaram por monopolizar algumas das pastas mais importantes do Executivo.
Entre eles, as Finanças, lideradas por Bezalel Smotrich, e a Segurança Nacional, que controla a polícia em Israel e na Cisjordânia e é chefiada por Itamar Ben-Gvir, um político condenado no passado por racismo e incitação ao ódio e que atuou em formações agora proibidas pelas leis antiterrorismo.
As suas posições são tão radicais que, quando a guerra eclodiu, deputados da oposição, como o centrista Benny Gantz, antigo chefe do Estado-Maior do exército israelita, juntaram-se ao governo de unidade nacional com a condição de que os extremistas Ben-Gvir ou Smotrich não pudessem assumir as decisões sobre a guerra.
Gantz acabou deixando o gabinete de guerra ao perceber que não havia plano para acabar com o conflito.
É possível, sugere Dov Waxman, que no início da guerra "nenhum outro governo israelense provavelmente tivesse se comportado de forma muito diferente, dado o nível de raiva, dor e trauma que foi vivido depois de 7 de Outubro e o desejo generalizado entre os israelenses de atacar e destruir o Hamas, para dar tudo de si".
No entanto, à medida que a guerra avançava, "este governo e, especialmente, os membros da direita radical, demonstraram absoluto desrespeito pela opinião e pressão internacionais", acrescenta o professor de Estudos de Israel.
Isso pode ser visto especialmente na questão dos reféns detidos pelo Hamas. "É bastante claro que o primeiro-ministro Netanyahu não está interessado em chegar a um acordo, que está em cima da mesa há vários meses, para trazer de volta os reféns em troca de um cessar-fogo", analisa Waxman.
Pela sua essência muito expansionista — defendem a anexação da Cisjordânia e o domínio total israelita do território entre o rio Jordão e o Mar Mediterrâneo — estes partidos radicais "partilham a opinião de que a paz com os palestinos não é desejável, e darão prioridade à expansão da ocupação, em vez de alcançar uma solução política ou um cessar-fogo", diz Fakhro.
Netanyahu precisa deles para manter o Executivo em pé e eles deixaram claro que, se ele aceitar um cessar-fogo, deixarão o governo.
Desta forma, o primeiro-ministro "priorizou a sua própria sobrevivência política antes de um cessar-fogo, mas também e mais importante, antes da libertação dos reféns", acrescenta o pesquisador da Chatham House.
Para alguns analistas como Imad K. Harb, "Netanyahu está usando a guerra para adiar o seu acerto de contas com a justiça".
O primeiro-ministro está sendo julgado por corrupção em um julgamento que começou em 2020 e no qual enfrenta acusações de fraude, suborno e quebra de confiança, pelas quais poderá ser condenado a até 10 anos de prisão.
Ele negou as acusações e afirma que se trata de uma "caça às bruxas".
A estratégia parece estar dando frutos: segundo a última sondagem realizada pelo Canal 12 de televisão, a popularidade de Netanyahu foi recuperada depois do 7 de outubro, especialmente depois das vitórias militares contra o Hezbollah, e o seu partido, o Likud, voltaria a ser o mais votado em Israel, embora ainda precisasse de uma coligação para governar.
A diferença de força entre Israel e o Hamas não poderia ser mais evidente.
Por um lado, há um dos exércitos mais poderosos do mundo e, por outro, uma milícia islâmica com aliados poderosos como o Irã, que lhes forneceu armas, mas que está isolada no território de Gaza há 17 anos.
No entanto, o Hamas conseguiu resistir ao ataque de Israel durante um ano e continua, através de uma guerrilha, causando baixas entre os soldados israelenses.
O Hamas teve a vantagem da surpresa: há anos que se preparava para esta guerra.
Para isso, construiu uma rede de túneis que se estima ter mais de 500 quilômetros de comprimento e que permite que os combatentes se escondam do exército israelense.
Waxman argumenta que os integrantes do Hamas, no entanto, "não têm conseguido participar no tipo de batalhas, confrontos diretos, para a qual os soldados israelenses estão preparados e treinados".
Os militantes do Hamas também conseguiram se reagrupar nas áreas de Gaza por onde o exército israelense já tinha passado e que tinham sido consideradas "limpas".
Para o professor de Estudos Israelenses, este é um sinal de que Israel não tinha e não tem um plano sobre como governar e fornecer aos palestinos os serviços necessários, uma vez que tenham retirado o Hamas destas áreas.
O Hamas resiste, mas a que custo?
A guerra causou mais de 41.000 mortes, a grande maioria das quais civis, muitas delas mulheres e crianças, e uma destruição material que levará décadas para ser resconstruída.
"A escala da devastação e do sofrimento só pode ser comparada com o que os palestinos chamam de Nakba, a catástrofe de 1948", explica o professor da Universidade da Califórnia.
Waxman recolheu testemunhos em Gaza que asseguram que "há uma raiva profunda contra Israel, claro, mas também contra o Hamas, uma vez que esta é uma guerra para a qual se prepararam e gastaram milhões de dólares para construir este sistema de túneis para se protegerem, enquanto não fizeram nada para proteger a população civil."
O conflito está minando o apoio ao Hamas em Gaza, onde as últimas sondagens mostram pela primeira vez que a maioria dos habitantes de Gaza (57%) acredita que o dia 7 de Outubro foi um erro.
A pesquisa, elaborada pelo Centro Palestino de Pesquisa e Estudos Políticos, mostra também que apenas 39% dos habitantes da Faixa de Gaza aprovam o papel desempenhado pelo Hamas durante a guerra (em junho era 64%).
As críticas à milícia islâmica têm aumentado em Gaza, tanto nas ruas como na internet. Alguns denunciaram publicamente a organização por esconder reféns em apartamentos perto de um mercado movimentado ou por lançar foguetes a partir de áreas civis.
De fato, durante vários anos, "o Hamas tem desfrutado de maior apoio na Cisjordânia, onde não governa, do que em Gaza, que está há muitos anos sob o seu repressivo e autoritário domínio", argumenta Dov Waxman.
E o que o Hamas considera uma vitória neste conflito?
A primeira coisa foi atrair a atenção internacional e "gerar um sentimento de medo na sociedade israelense", algo que sem dúvida conseguiram, sugere Elham Fakhro. Além disso, é muito possível que tenham buscado uma moeda de troca com a captura de reféns para evitar a disseminação generalizada da destruição de Gaza e ter de volta prisioneiros palestinianos.
"É claro que não funcionou", acrescenta o pesquisador.
O fim da guerra não está próximo, mas no dia em que chegar não há nada previsto para tomar conta de um território onde vivem 2,3 milhões de pessoas e que terá sido devastado.
O abismo entre as principais facções palestinas, o Hamas e o Fatah, que se alargou quando o Hamas assumiu o controle da Faixa de Gaza em 2007, permanece aberto.
Não foram realizadas eleições desde então e a Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), o governo autônomo provisório que foi estabelecido após os acordos de Oslo e é liderado por Mahmoud Abbas, tem perdido crédito e prestígio entre os próprios palestinos.
Muitos analistas consideram que os últimos governos israelenses - e ainda mais o atual - alimentaram esta divisão entre facções palestinas para minar a possibilidade da criação de um Estado Palestino.
O atual ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, disse claramente numa entrevista em 2015: "O Hamas é um trunfo e Abu Mazen (Mahmud Abbas) é um fardo".
Em outras palavras: o Hamas, considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia, serve como uma desculpa perfeita para o governo israelense não avançar na solução de dois Estados porque quem iria querer deixar o futuro Estado da Palestina nas suas mãos?, argumenta Elham Fakhro.
A ANP foi assim enfraquecida pela ascensão do Hamas, mas também perdeu crédito aos olhos dos palestinos, "que a consideram corrupta e quase como uma subcontratada da ocupação israelense na Cisjordânia, por isso muitos não acreditam que seja legítimo.", acrescenta o pesquisador.
A guerra em Gaza exacerbou a impopularidade da ANP, que também foi atingida por uma crise financeira devastadora.
Mais de 150 mil palestinos empregados em Israel perderam as suas autorizações de trabalho desde o início da guerra e milhares de funcionários públicos não recebem os seus salários, em parte porque Israel - o próprio Smotrich, chefe do Ministério das Finanças - congelou centenas de milhões de dólares em recursos pertencentes à ANP.
Autoridades israelenses disseram ao New York Times em junho que Smotrich tinha proposto descongelar alguns destes fundos em troca da autorização de vários assentamentos israelenses construídos na Cisjordânia.
Poderá uma ANP enfraquecida, quase falida e desacreditada aos olhos dos próprios palestinos assumir as rédeas de Gaza quando a guerra terminar?
Essa é a pergunta que muitos analistas internacionais fazem.
"Embora pareça uma boa ideia, é difícil ver como poderia ser levada a cabo, como se poderia remover o Hamas (de Gaza) e trazer a ANP, que a comunidade internacional considera legítima e com credibilidade, mas que não tem muito apoio entre os palestinos. Seria vista como uma solução imposta", afirma Fakhro.
O Oriente Médio hoje é muito diferente daquele de décadas passadas.
A normalização das relações diplomáticas entre vários países árabes e Israel mudou a geopolítica da região. E aqueles que ainda não o fizeram, como a Arábia Saudita, estão à espera de que a poeira da guerra em Gaza baixe antes de fazê-lo, dizem os analistas.
Desde o início da guerra, os países árabes vizinhos de Israel adotaram posições diferentes: alguns ofereceram-se como mediadores, papel desempenhado, por exemplo, pelo Qatar, outros expulsaram temporariamente embaixadores israelenses, como fez a Jordânia.
Mas, para além da retórica, a resposta dos seus governos tem sido bastante morna. "Se compararmos com o embargo petrolífero de 1973, quando os países árabes tomaram uma posição muito mais dura para pressionar Israel e os Estados Unidos a acabarem com a guerra, o que está acontecendo agora não tem nada a ver com isso", diz Elham Fakhro.
Nenhum deles cortou relações com Israel.
"Devemos distinguir entre regimes árabes e povos árabes. Os governos abandonaram a Palestina há muito tempo, mas as suas populações ainda acreditam que a causa palestina é a mais importante para os árabes", argumenta Imad K. Harb.
Existe, concorda Elham Fakhro, uma desconexão entre os governos árabes e a sua opinião pública: "No mundo árabe há uma grande simpatia pelos palestinos e pela catástrofe que estão vivendo em Gaza e eles querem que os seus governos façam mais, querem que eles rompam relações diplomáticas. Eles deveriam, no mínimo, expulsar os embaixadores, e isso não aconteceu".
Apesar de tudo, existe um interesse esmagador no mundo árabe em acabar com a guerra devido às suas consequências desestabilizadoras para toda a região, como se vê no Líbano com o Hezbollah.
Contudo, será que os vizinhos árabes têm realmente capacidade para exercer pressão sobre Israel e o Hamas?
Dov Waxman acredita que não: "nenhum país árabe tem capacidade ou influência para acabar com esta guerra. Isso recai sobre o governo israelense e, possivelmente, sobre os Estados Unidos."
Embora nas guerras anteriores Washington tenha exercido uma influência mais decisiva sobre o governo de Israel, observa o investigador da Chatham House, "não vimos isso com Biden, que tem sido muito relutante em pressionar Netanyahu, mesmo que o tenha feito de forma privada. A falta de pressão dos EUA deu poder a Netanyahu e permitiu com que ele continuasse a guerra por muitos mais meses, em detrimento da população de Gaza e dos reféns."